quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O serviço do informações do ciclo Clio e Eros comunica:
 
 
 
Estão disponíveis os certificados para os participantes que entregaram as fichas com presenças necessárias. Basta acessar o Portal de Extensão da UFRGS.
 
 
 Alunos e servidores:
Basta acessar o portal de extensão na opção participações

Público externo:


 

domingo, 8 de dezembro de 2013

Sábado, dia 14/12
Grande sessão de encerramento do ciclo!!!
 
Sala Redenção 15:30
 
 
 
A Pele que Habito
La piel que habito
Pedro Almodóvar, 2011

Conheça os Palestrantes


Fernando Seffner


Graduação em Geologia pela UFRGS (1981), Graduação em História pela UFRGS (1987), Mestrado em Sociologia pela UFRGS (1995) e Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS (2003), com período de estudos junto ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS UERJ). Atualmente é Professor Associado II da Faculdade de Educação da UFRGS. É docente e orientador junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação na linha de pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, com ênfase temática nas pedagogias de construção das masculinidades. Atua também em pesquisas e orientações investigando situações de vulnerabilidade a aids; respostas religiosas a aids; estado, religião e laicidade; conexões entre direitos humanos e políticas públicas de gênero e sexualidade. No ensino de graduação dedica-se a disciplinas que envolvem o ensino de História e a construção de aprendizagens significativas nesta área. É coordenador do GEERGE Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/2541553433398672

Liliana Sulzbach
 
 

Diretora, roteirista e produtora desde 1992. Estreou no longa-metragem o documentário O cárcere e a rua (2004), que assina como diretora, roteirista e produtora executiva, premiado no 32º Festival de Gramado como melhor filme na categoria documentário de longa-metragem. Em atividade com diversos trabalhos na área audiovisual no Rio Grande de Sul, começou no cinema com a direção do curta-metragem em 16mm Batalha naval (1992), premiado no 20° Festival de Gramado com quatro prêmios regionais. Jornalista e mestre em Ciência Política pela UFRGS, estudou Ciências da Comunicação na Freie Universität Berlin. Coordenadora de produções e do núcleo de Cinema e Televisão da Zeppelin Filmes, desde 1996. Coordenadora Nacional do INPUT (International Public Television Conference) de 2001 a 2004. Trabalhou como produtora independente para a Hamburger Kino Kompanie/Hamburgo, M.Schmiedt Produções, Spiegel TV Alemanha, onde realizou diversos filmes documentários. Em 1997, foi diretora de produção do curta O pulso, de José Pedro Goulart, selecionado para o Festival de Berlim e premiado nos festivais de Gramado e Brasília. Dirigiu, escreveu e fez a produção executiva do documentário de média-metragem A invenção da infância (2000), prêmios de melhor filme em 16mm, direção e roteiro no Festival de Gramado e melhor média-metragem no II Grande Prêmio Brasil de Cinema 2001. É a codiretora e coautora, junto com Ângela Pires, do curta O branco (2000), eleito melhor filme de curta-metragem no Festival do Rio 2000, e vencedor de uma menção especial do júri no Festival de Cinema de Berlin/ Kinderfilmfest.

Texto

Em breve!

A Bela do Sábado de Tarde

Elena Anaya
Atriz espanhola
 






 

 

 

Trailer


domingo, 1 de dezembro de 2013

Sábado, dia 07/12
 
Sala Redenção, 15:30
 
 
 
Bonitinha, mas ordinária
Braz Chediak, 1981

Conheça os Palestrantes


Celi Regina Jardim Pinto
 

possui graduação em Licenciatura Em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1972), mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979) e doutorado em Doutorado Em Governo - University of Essex (1986). É professora associada IV da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Ciência Política e História, com ênfase em Teoria Política, e História Política Brasileira atuando principalmente nos seguintes temas: história e politica brasileira, teoria da democracia, participacão politica e feminismo. Atualmente é professora permanente do PPG em História da UFRGS É pesquisador 1b do CNPq.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/1527293281181776


 
Luís Augusto Fischer
 

Possui graduação em Letras - Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980), mestrado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988) e doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998). Atualmente é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Professor de Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: redação, literatura sul-rio-grandense, vestibular, literatura brasileira e formação da literatura brasileira.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/2655093707436140

A Professora Céli Pinto será substituída pela Professora Nathália Boni Cadore:
http://lattes.cnpq.br/0042812182878010

 

Texto

Em breve!

A Bela do Sábado de Tarde

Lucélia Santos e Vera Fischer
 







 
 

domingo, 24 de novembro de 2013

Sábado, dia 30/11
 
Sala Redenção 15:30
 
 
 
E deus criou a mulher
Et Dieu… créa la femme
1956, Roger Vadim

Conheça os Palestrantes


Benito Bisso Schmidt

 
É licenciado (1990) e bacharel (1992) em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em História pela mesma instituição (1996) e doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2002), com estágio no Centre d'Histoire Sociale du XXe Siècle (Université Paris 1 - Panthéon-Sorbonne) (2001). Foi professor do Departamento de Biblioteconomia e História da Fundação Universidade do Rio Grande - FURG (1992-1993). Atualmente, é Professor do Departamento (desde 1994) e do Programa de Pós-Graduação (desde 2003) em História da UFRGS. Foi Maître de Conférences na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, Paris (2005 e 2011). Foi secretário (2002-2004) e presidente (2006-2008) da Seção Rio Grande do Sul da Associação Nacional de História - ANPUH-RS. Integrou a diretoria da ANPUH nacional como segundo tesoureiro (gestão 2009-2011) e como presidente (gestão 2011-2013). Foi também vice-presidente da Associação Brasileira de História Oral - ABHO e editor da revista História Oral (2010-2012). Dirigiu o Memorial da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região entre 2008 e 2011. Ministra disciplinas na área de Teoria e Metodologia da História e pesquisa sobre temas como: gênero biográfico, história social da memória, história do trabalho, história das relações de gênero e ditaduras na América Latina.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/3067875155143249

 

Diorge Alceno Konrad


Possui graduação em Licenciatura Plena em Historia pela Universidade Federal de Santa Maria (1988), mestrado em Historia do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1994) e doutorado em Historia Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Atualmente é Membro da Comissão e do Conselho Editorial de "História & Luta de Classes" e do Conselho Editorial da "Crítica Marxista", Membro dos GTs Mundos do Trabalho e História e Marxismo da ANPUH-RS, Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria, no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em História, além de Colaborador Externo do Doutorado em História da Universidade Nacional de Mar del Plata - Argentina (UNMDP). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Social do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: História do Trabalho, Movimentos Sociais e Políticos, Rio Grande do Sul e Brasil.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/6649023072655942

Texto

em breve...

A Bela do Sábado de Tarde

Brigite Bardot
 
Apenas...
 





 



 

 
 

Trailer E deus criou a mulher...


domingo, 17 de novembro de 2013

Sábado, 23/11
 
Sala Redenção
15:30



Contos Proibidos do Marquês de Sade (Quills)

Conheça os Palestrantes


Guacira Lopes Louro
 

Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1969), Mestre em Educação pela mesma Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976) e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1986). Professora Titular aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi fundadora do GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero) e participa deste grupo de pesquisa desde 1990. Tem publicado livros, artigos e capítulos, bem como orientado dissertações e teses sobre questões de gênero, sexualidade e teoria queer em articulação com o campo da Educação. Suas pesquisas atuais voltam-se para estudos queer, cinema e pedagogias da sexualidade.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/1021533829770484

Temístocles Américo Corrêa Cezar
 

Graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988), Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994) e Doutor em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2002). Professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde 1994. Professor-Convidado (Directeur d'études invité) na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2005 e 2011). Chefe do Departamento de História da UFRGS (1996-1997). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS (2003-2005). Vice-Presidente do Fórum dos Coordenadores de Pós-Gradução da UFRGS (2004-2005). Vice-Presidente e Presidente da Câmara de Pós-Graduação do CEPE-UFRGS (2007-2008). Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS (2008-2012). Membro do Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS (2008-2012). Secretário-Geral da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (2010-2012). Vice-Presidente da da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (desde agosto de 2012). Consultor e parecerista da CAPES, CNPq e Fapesp. Tem experiência na área de História, atuando principalmente nos seguintes temas: escrita da historia, teoria da historia, historiografia antiga e moderna e historiografia brasileira, sobre os quais tem vários artigos e capítulos de livros publicados no Brasil, Portugal, Espanha, França e no Scielo Social Sciences.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/8099340759948179

* Devido a um imprevisto o professor Temístocles será substituído pelo professor Cesar Guazzelli.

Texto


Sade e Sadismos

Guilherme Kichel de Almdeida

Graduando em História na UFRGS


Assim começa uma das principais obras do Marquês de Sade, “120 dias de Sodoma”:

“Aconselho o leitor excessivamente recatado a por meu livro imediatamente de lado, para não ficar escandalizado, pois é já evidente que não há muito de casto em nosso plano, e atrevemo-nos desde já a garantir que o haverá ainda menos na execução. E agora, leitor amigo, prepare seu coração e sua mente para a narrativa mais impura já feita desde que nosso mundo começou, um livro sem paralelos entre os antigos, ou entre nós, modernos...”

            Além de conseguir, imediatamente, a leitura de qualquer leitor vacilante; o livro trata sobre assuntos deveras controversos. Resumidamente, conta a história de quatro homens da alta sociedade francesa e que tem como gozo máximo, como o excelso clímax, machucar, ferir e fazer/ver o outro sofrer, assim como, de vez em quando, ser a vítima desses atos. Atos, que nós, seres humanos virtuosos e civilizados, consideraríamos vis, danosos e humilhantes. São, na definição mais acertada do termo, sádicos. No entanto, eles só estavam atrás de algo que, de um jeito de outro, todo ser humano já desejou, deseja ou vai desejar: ter prazer.

                O prazer foi e ainda é algo presente nas relações humanas. Desde muito cedo nossos queridos antepassados perceberam sensações e práticas que lhes satisfaziam e potencializavam nossos próprios sentidos. Experimentaram o mais puro deleite, quando não, a mais viva euforia.  Uma das primeiras correntes filosóficas a levar o prazer individual e do ser humano a sério originou-se, claro, na Grécia Antiga, sob o nome de “hedonismo” (do grego Hedoné, que significa “prazer”).  O contexto histórico da época tem importante papel para deduzirmos a lógica desses filósofos.

            Duas escolas antropocêntricas já tinham bastante influência nessa época (século V – IV a.c): a socrática e a sofista. Ambas pregavam que o homem deveria conhecer a si mesmo e assim seria possível alcançar a felicidade. Porém, para os sofistas o real era o individual, assim, a realidade universal não passava de abstração, o homem era mortal e a imortalidade, irreal. Visto que a única realidade, desse modo, era a do homem e sua vida terrena, os hedonistas, representados por Aristipo de Cirene, entenderam que o prazer era a finalidade última do ser humano. Assim: “O hedonismo representa, pois, a ideologia de que as satisfações pessoais do homem, seja de que natureza forem, são o supremo e único destino da vida, devendo, por isto, ser procuradas na mais larga escala, para que o homem seja integralmente feliz” (Rohden, 2008, p.66)

            Infelizmente, os hedonistas não tinham igreja, mandamentos, poder ou sequer um mísero papa para fazer de sua ideologia a mais influente da Europa. Coube, como já estamos estafados de saber, à Igreja Católica assumir esse papel, com sua moral conservadora e que, sobretudo, via no prazer material ou, mais especificamente, no prazer carnal algo danoso e negativo. Talvez um dos maiores inimigos dessa moral, tenha sido o nosso amigo irritadiço, barbudo (óbvio!) e genial, Nietzche, que disse (ao se referir à Igreja Católica): “Cristão é o ódio contra o espírito, contra o orgulho, a coragem, a liberdade, a libertinage do espírito; cristão é o ódio contra os sentidos, contra as alegrias dos sentidos, contra a própria alegria...” (Nietzsche, 2013, p.40).

            Era com essa moral, perdoem-me a simplificação, que o nosso principal personagem tinha que conviver na virada do século XVIII para o XIX. Nessa época, Freud ou Nietzsche, não estavam vivos, mas Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, estava e influenciaria não só a literatura e a psicanálise, como o próprio cinema. Aliás, a influência de suas ideias e trabalhos na sétima arte, será o tema deste texto nada prosaico.

            A sua relevância pode ser medida pelo uso, já extensivo, do termo “sadismo”, que, portanto, provém do nome de “Sade”. Porém, qual seria, exatamente, a origem e o sentido dessa palavra? O termo foi cunhado pelo psiquiatra alemão Richard Von Kraft-Elbing, em 1886 e designava: “[...] uma perversão sexual – pancadas, flagelações, humilhações físicas e morais – baseada num modo de satisfação ligado ao sofrimento infligido ao outro” (PLON, 1998). Posteriormente, ao ser retomado por Freud, foi classificado no quadro mais geral da teoria da perversão e da pulsão que, além de outros atos, relacionava-se às perversões sexuais. Nesse contexto, outro escritor foi acoplado à Sade (perdoem o trocadilho): Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895), cuja principal obra: “A Venus das Peles”, tem como personagem principal um jovem nobre, Severin, e, sua amante, Wanda, viúva e também da nobreza. Perante a questão se seria possível o homem e a mulher serem igualmente felizes na relação a dois, Severin sugere que Wanda o escravize e ela acaba aceitando, ratificando o acordo com um contrato que coloca a vida do jovem namorado sob seu controle.  Feito esse resumo, podemos entender, ainda que superficialmente, o termo sadomasoquismo.

            O cinema, especialmente na segunda metade do século XX, aproveitou-se dessa temática para diversos fins, desde mexer com a imaginação e mesmo estimular o prazer sexual de seus espectadores, questionar a estruturação das relações de gênero ou, ainda, criticar regimes totalitários. Um dos diretores que foi largamente inspirado pelo sadomasoquismo foi o espanhol Jesús Franco (1930-2013). Comentaremos apenas um dos seus filmes baseados nas obras de Sade: “Eugenie” (1970), que pode ser classificado, mais acertadamente como “softporn”, uma categoria do pornô em que o ato sexual não é filmado explicitamente. O maior nome do elenco, Christopher Lee foi, na verdade, a primeira vítima do filme. Segundo ele, apenas o chamaram para gravar as primeiras cenas em que atua como pai de Eugenie (Marie Liljedahl) e é seduzido pela bela Marianne/Madame Saint Ange (Maria Rohm). Somente depois, saberia que o filme possuiria tantas cenas de sexos quanto de diálogos. Marianne, em troca de uma noite de prazer com Dolmance (Christopher Lee), pede a ele que libere sua filha para passar uns dias na casa dela e de seu irmão, localizada numa ilha. Atraída pela encantadora Madame, Eugenie aceita de bom grado a estadia na ilha, sem saber que noites de abusos e violência estavam por vir. Aqui, a principal relação com a obra de Sade vem do livro: “Justine ou as Desgraças da Virtude”, em que uma jovem inocente e pura é corrompida pelos mais devassos e pervertidos personagens.

            Outra película, em parte inspirada no mesmo livro, é: “Histoire D’o” (1975), filme francês dirigido por Just Jaeckin. Do mesmo modo, uma garota jovem e atraente, O. (Corinne Cléry) é levada, dessa vez por seu companheiro, Rene (Udo Kier), por quem ela nutre uma paixão avassaladora, para um lugar em que sofreria abusos e violência sexuais com o objetivo de dar prazer a outro homem ou o seu “dominador”. Quando O. sai desse lugar “bizarro”, Rene a transfere para outro “dono”, seu meio-irmão Stephen (Anthony Steel). O filme, se comparado com Eugenie (1970), traz questões mais complexas, além de ter melhor qualidade cinematográfica. Nele, a relação dominador/dominado gera constantes tensões, pois o dominado só está nesse estado por sua própria escolha. Além disso, as mulheres, em geral, são as personagens subjugadas e, ainda, parecem sentir prazer com torturas, constrangimentos e abusos. Dessa forma, o filme se adéqua mais à obra de Masoch, pois tem como elemento central a relação entre senhor/escravo, além de levantar questões como o papel da mulher, não só na relação do casal como na própria sociedade.

            Deixamos por último, talvez o filme mais perturbador desse trio: “Salò ou o 120 dias de Sodoma” (1976), do diretor italiano Pier Paolo Pasolini. Baseado no livro, já citado, de Marquês de Sade: “120 dias de Sodoma”, a película é uma crítica pesada ao regime fascista italiano. Ambientado no ano de 1944, a história se desenrola no estado do norte italiano, Salò, que está controlado pelo regime fascista. Os quatro personagens principais: Duque (Paolo Bonacelli), o Bispo (Giorgio Cataldi), o Magistrado (Umberto Quintavalle) e o Presidente (Aldo Valetti) mandam sequestrar e prender dezesseis adolescentes (oito meninos e oito meninas) para submetê-los as mais perversas, angustiantes e tenebrosas humilhações. As cenas são tão impactantes que muitas pessoas não conseguem assistir o filme até o final ou mesmo desistem no início. Entre os momentos mais fortes estão o consumo de fezes humanas e, quando as vítimas são encoleiradas nuas, são obrigadas a se comportar como cachorros e servir seus “donos”.

            Portanto, as críticas não só são ácidas, como a forma de fazê-las propõe-se a chocar os telespectadores. De fato, o filme permite diversas comparações com o tipo clássico do fascismo. Por exemplo, a ideia de controlar a vida das pessoas, sua rotina, seus atos e mantê-las, sempre, subservientes a uma força hierárquica superior. Para tanto, o cativeiro dos prisioneiros é governado por leis específicas e qualquer indisciplina é punida com as mais severas e brutais sentenças. Mais do que isso, a elite da prisão é retratada constantemente como sádica, o prazer ou a sensação de poder proporcionado pela aflição alheia é, assim, razão e fim. No entanto, mesmo nesse inferno, os escravos conseguiam realizar pequenas insubordinações, burlar as regras e promover simbólicas e insuficientes resistências, porém talvez tenha sido elas a fagulha que os tenha sustentado.

            Espero que o caráter introdutório desse texto tenha atiçado a curiosidade do leitor. A vida tem tantas faces que seria impossível contá-las todas, quiçá julgá-las! Entre elas está a sexualidade, tão complexa e rica quanto qualquer reflexão de Nietzsche ou mesmo de Sade. Explorá-la e entendê-la, sempre respeitando a liberdade alheia, é um processo que faz parte de uma humanidade mais lúcida, mais solidária, mais livre.

 Referências:

NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo.  Porto Alegre: L&PM, 2013.

PLON, Elisabeth Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

ROHDEN, Huberto. O pensamento filosófico da antiguidade. São Paulo: Martin Claret, 2008.

A Bela do Sábado de Tarde

A Bela do Sábado de Tarde
Kate Winslet
Atriz britânica
 






 

Trailer Contos proibidos do Marquês de Sade


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Sábado 16/11
15:30
 
o Clássico dos clássicos!
 
o romantismo invade a Sala Redenção!
 
 
 
Casablanca

Conheça os Palestrantes


Gerson Wasen Fraga
 

Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - licenciatura (2002), graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - bacharelado (2003), mestrado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004) com a dissertação "Brancos e Vermelhos: a Guerra Civil Espanhola através das páginas do jornal 'Correio do Povo' (1936-1939)" e doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009), com a tese "'A derrota do Jeca' na imprensa brasileira: nacionalismo, civilização e futebol na Copa do Mundo de 1950". Possui também graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1995). Tem experiência na área de História, tendo trabalhado no ensino fundamental e superior. Atualmente é Professor Adjunto I da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/0751889477523062

Fatimarlei Lunardelli
 

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1983), mestre em Artes pela Universidade de São Paulo (1995) e doutora em Ciências da Comunicação, também pela Universidade de São Paulo (2002). Atua como jornalista na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Cinema, principalmente nas áreas de história e teoria do cinema, crítica de cinema, linguagem cinematográfica, cultura cinematográfica e cinema brasileiro.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/0494670258844111

Everybody comes to Rick’s

“Everybody comes to Rick’s”. Algumas reflexões sobre a situação política mundial em Casablanca.

 Por Rafael Belló Klein
Mestrando em História na PUCRS

            O filme Casablanca é, sem a menor dúvida, o que podemos chamar de um clássico do cinema norte-americano e mundial.  Dirigido pelo húngaro-americano Michael Curtiz, em 1942, foi protagonizado por dois dos maiores ícones culturais do cinema internacional: Humphrey Bogart e a bela atriz sueca Ingrid Bergman. A película, vencedora de três prêmios do Academy Awards de 1943, incluindo o de Melhor Filme e o de Melhor Diretor para Curtiz, se não alcançou um estrondoso sucesso à época de seu lançamento (apesar de ter sido sim consideravelmente bem-sucedida), foi inúmeras vezes aclamada como uma das maiores já produzidas.

            As razões para um reconhecimento tal são muitas. Além das grandes atuações de Bogart e Bergman, cuja beleza é um atrativo à parte, são frequentemente mencionados a trilha sonora marcante, em especial a canção “As Time Goes By”, interpretada no filme pelo pianista Sam (Dooley Wilson), e o roteiro muito bem escrito – o qual, aliás, lhe rendeu o seu terceiro Oscar, o de Melhor Roteiro Adaptado –, permeado por diversos diálogos e frases memoráveis, desde o próprio verso de abertura de sua canção tema, “You must remember this...”, até aquela que encerra a película, “I think this is the beginning of a beautiful friendship.”

            Quero, no entanto, salientar aqui outro elemento que contribui vivamente para o sucesso do filme, o qual certamente não passa despercebido, especialmente aos olhos do historiador: o tumultuado contexto político internacional, que torna o ambiente exótico da cidade marroquina de Casablanca ainda mais cativante, povoado por personagens das mais diversas nacionalidades e personalidades.

            Apesar da pretensa e autoproclamada neutralidade do personagem Rick (Humphrey Bogart), a política é um tema que perpassa constantemente o filme, do início ao fim. Além da descoberta em meio à película da participação de Rick em dois conflitos armados (a invasão da Etiópia pela Itália em 1935, na qual negociou armas para os africanos, e a Guerra Civil Espanhola em 1936, pelo lado republicano – revelando assim uma propensão antifascista), a trama se desenrola em plena Segunda Guerra Mundial, em meio a um dos períodos mais obscuros da história europeia, o apogeu do domínio nazista na Europa continental. A deflagração do conflito, em setembro de 1939, deu-se, sabidamente, como uma reação à invasão da Polônia pelas tropas alemãs. No entanto, a política expansionista de Hitler já havia começado anteriormente, com Anschluss da Áustria, a anexação da região dos Sudetos e posteriormente a da Tchecoslováquia como um todo, em 1938, expansão esta (compartilhada pela Itália de Mussolini, que havia avançado sobre a Albânia) que foi assistida passivamente pelos demais países europeus, dentro da política de apaziguamento, visando evitar um confronto bélico aberto, tendo em vista as nefastas consequências econômicas, humanas e psicológicas da Primeira Guerra Mundial.

            Após um breve período de calma seguindo a derrocada polonesa, a ofensiva do Terceiro Reich, sob a forma da famosa tática do Blitzkrieg, a guerra relâmpago, tomou corpo no ano de 1940, com as subsequentes invasões de Dinamarca e Noruega, em abril, e de Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França, em maio. Até 1942, as forças do Eixo invadiriam também a região dos Bálcãs, incluindo sob seu domínio Hungria, Bulgária, Romênia Iugoslávia e Grécia, atingindo, com o início da ofensiva sobre a Rússia, o seu máximo poderio territorial, tendo o controle, direto ou sobre a forma de Estados-satélites, de toda Europa Continental, à exceção dos países considerados neutros (Espanha, Portugal, Suíça, Suécia e Turquia).

            A conquista da França pelas tropas nazistas, que mais nos interessa aqui, foi um dos episódios mais traumáticos da história francesa. Tendo as tropas alemãs invadido a França em maio de 1940, através da Bélgica, flanqueando o ultrapassado sistema de defesa da Linha Maginot, acabaram por derrotar as forças francesas em pouco mais de um mês. A entrada dos nazistas em Paris em 14 de junho de 1940 foi um profundo golpe ao orgulho francês e aos seus ideais de civilização, aos olhos dos quais, os germânicos, sua cultura e seus métodos de guerra eram simplesmente bárbaros. Mais do que isso, significou a rendição da França poucos dias depois, através da assinatura de um armistício, por iniciativa do marechal Philippe Pétain, apesar da contrariedade de muitos soldados e civis, realizado em Compiègne, local significativamente escolhido por ter sido onde ocorreu o armistício que pôs fim à Primeira Guerra e que significou duras e humilhantes sanções à Alemanha; portanto, mais uma pancada no ferido orgulho francês.

            Além de prever a anexação das províncias da Alsácia e Lorena, tradicional objeto de disputa entre França e Alemanha, para esta última, as resoluções desse segundo armistício de Compiègne dividiram a França em duas: o governo francês mantinha o controle “simbólico” do país e de suas colônias, porém, na prática traçou-se uma linha em seu território, separando uma zona a norte e oeste, incluindo Paris, os portos do Atlântico e as regiões industriais do norte, à qual os nazistas reservaram-se o direito de ocupação; e outra ao sul e a leste, onde o governo francês manteve sua soberania, na forma do novo regime de Vichy, sob a liderança do Marechal Pétain.            A França de Vichy carrega consigo a pesada designação de colaboracionista, pois, de fato, apesar de ser um Estado nominalmente não-ocupado, empreendeu uma política de total colaboração com o Eixo, sendo na prática pouco mais que um Estado-satélite deste.

 

Os franceses e o pensar-duplo.

            É no contexto de uma Alemanha nazista caminhando a passos largos rumo ao seu apogeu territorial, e dessa França partida em duas que se desenrola a trama de Casablanca; e o personagem do capitão Louis Renault (Claude Rains) reflete bem a mentalidade de um francês diante de sua pátria dividida entre a ocupação nazista e o colaboracionismo.

            O historiador Pierre Laborie, ao tentar compreender como os franceses lidaram com a situação que lhes era apresentada – da derrota e divisão de sua nação e da adesão ou colaboração com o regime com o qual até então estavam em guerra –, e seus posicionamentos perante ela, aponta para a prevalência de uma cultura do duplo. Nas atitudes dos franceses sob Vichy, a ambivalência ocupou um papel de destaque:

As alternativas simples entre petanismo e gaullismo, resistência e vichismo ou resistência e colaboração fornecem apenas imagens redutoras das vivências dos contemporâneos. Sabe-se assim que uma maioria de franceses chorou a derrota sem desejar o armistício, que foram capazes de aplaudir fervorosamente o marechal Pétain enquanto rejeitavam o regime de Vichy, que conseguiram ser irredutivelmente hostis ao ocupante sem por isto se tornarem resistentes (...) (LABORIE, 2010: 38).

            Laborie identifica uma visão comum dos franceses sob Vichy, permeada por interpretações de ordem moral, que relacionava sua mentalidade a uma ambiguidade oportunista:

Falou-se da esquizofrenia dos franceses, mas também de seu profundo senso de acomodação e mudança brusca de atitude, de sua virtuosidade para se colocar a favor do vento, de sua inclinação à indecisão; viu-se nisso, um oportunismo calculista, duplicidade, cinismo, covardia (LABORIE, 2010: 38).

            Para o autor, no entanto, mais do que simplesmente por um cálculo cínico ou interesseiro, mas pelas imposições e ditames da situação política do momento, o pensar-duplo pertenceu efetivamente ao universo mental dos franceses sob Vichy. Seja por uma verdadeira simpatia por causas que ao final provaram ser antagônicas, mas que à época poderiam não ser percebidas assim; seja pela necessidade de ocultar uma face não condizente com o regime político ao qual estavam subordinados.

            O personagem Renault é um grande símbolo desse homem-duplo, de um modo de pensar ambíguo, embora se assemelhe mais à segunda descrição de Laborie, a permeada por um julgamento moral: um homem cínico, inescrupuloso, que tenta tirar vantagens pessoais diante da situação, que se admite como uma pessoa “sem convicções”, que “vai conforme o vento” (citações do próprio filme). Renault, no entanto, acaba revelando-se, ao final, um nacionalista, um patriota, simpatizante dos ideais de resistência ao nazismo, ao descartar simbolicamente os ideais vichistas, quando joga no lixo uma garrafa da famosa água de Vichy.

            A tensão percebida a cada diálogo entre Renault e o Major Heinrich Strasser (Conrad Veidt) demonstra bem a complicada situação em que o oficial francês se encontra e sua ambiguidade de pensamento. De fato, outro elemento a destacar no filme é em relação aos confrontos entre os nacionalismos francês e alemão, que naturalmente tenta suprimir as manifestações do primeiro. Há duas cenas emblemáticas a esse respeito: a discussão entre a personagem Yvonne (Madeleine LeBeau) e um soldado francês, pela moça estar acompanhada por um militar alemão; e a antológica cena em que os oficiais nazistas entoavam o Die Wacht am Rhein, tradicional canção nacionalista alemã (muito ligada à Primeira Guerra e à questão da defesa da fronteira natural do Reno), sendo sobrepujados pelo coro da Marselhesa, puxado por Victor Laszlo (Paul Henreid).

 

O Orientalismo em Casablanca.

            Tendo examinado um pouco das relações políticas em jogo naquele momento, cabe também considerarmos o espaço onde se desenrola a trama. A película nos apresenta uma rota de fuga de refugiados, opositores e perseguidos pelo nazismo, de uma Europa Ocidental sob o controle do Terceiro Reich: saindo de Paris e da zona de ocupação, em direção ao porto de Marselha, e daí navegando até o norte da África, para o importante porto de Oran, no território colonial da Argélia, e então, finalmente, para Casablanca no Marrocos francês.

            O Marrocos foi, ao longo do século XIX (e mesmo antes), alvo de disputa dos países europeus, nem tanto pelas oportunidades financeiras que o país proporcionava, mas principalmente por sua importância política e estratégica, visto que se situa na porta de entrada para o Mediterrâneo. Entretanto, sua inserção dentro do imperialismo europeu se deu tardiamente, quando comparada à chamada partilha da África. Henk Wesseling (1998: 365) chega a classificá-la como um epílogo desse processo, visto que as assinaturas dos principais tratados que fixaram as esferas de influência europeias na África Ocidental, Central e Oriental haviam se dado na década de 1890, ao passo que no Marrocos esta disputa se resolveu somente duas décadas depois.

            Não obstante seu caráter tardio, os debates, tensões e disputas que ficaram conhecidos como a “questão marroquina” foram de grande importância para as relações diplomáticas na Europa. Além da França, cujos interesses se relacionavam principalmente a assegurar a fronteira oeste da Argélia, quatro grandes potências se puseram em disputa pelo Marrocos: Espanha, por razões de proximidade e de relações comerciais e coloniais históricas, além de Inglaterra, Itália e Alemanha, cujas intenções eram mais no sentido de obstar a livre hegemonia francesa, dentro do complexo jogo de interesses imperialistas. Sendo resolvidas de modo relativamente tranquilo as disputas com Espanha, que, enfraquecida, contentou-se com uma pequena porção do norte marroquino, incluindo as cidades de Ceuta, Melilla e Tânger; e com Itália e Inglaterra, que receberam compensações, respectivamente o reconhecimento dos interesses italianos na Líbia, e o dos ingleses no Egito, além de estabelecer com o último o acordo diplomático conhecido como Entente Cordiale, o qual alterou substancialmente o quadro das relações internacionais europeias nos anos seguintes; a rivalidade franco-alemã foi a que tomou contornos mais dramáticos dentro da questão marroquina, mesmo que ao fim, os germânicos se contentassem igualmente com uma compensação territorial.

            As grandes consequências da questão marroquina para a Europa se expressaram no sentido da alteração da configuração diplomática do continente, pela superação da rivalidade histórica entre França e Inglaterra, por meio do acordo que estabeleceram com a Entente Cordiale, e pela exposição de tensões e ressentimentos imperialistas, em especial da França com o Império Alemão, que viriam a culminar na Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Fez, em 1912, que estabelecia o Marrocos como um protetorado francês, significou para estes a consolidação do flanco ocidental argelino e a garantia do domínio sobre o Magreb; para os marroquinos, significou a subordinação aos franceses:

Na teoria, o Tratado de Fez estabeleceu um tipo de governo duplo no Marrocos. O sultão preservava suas prerrogativas de soberania, mas entregava o controle da justiça, defesa, relações exteriores e finanças. Não podia fazer nada sem o consentimento do general-residente francês. Reciprocamente, o último não podia fazer nada sem o consentimento do sultão, mas isso em grande parte era uma cláusula teórica. Na prática, o sistema de governo duplo acabou se tornando um sistema de governo direto da França. O estado marroquino sobrevivia apenas na forma. No conteúdo, tornou-se francês (WESSELING, 1998: 389).

            Um Marrocos sob o controle francês – sob o controle de Vichy a partir de 1940, como fica patente pelas representações do marechal Pétain nas paredes da cidade, é o cenário que nos é apresentado então no filme Casablanca. Vale ressaltar ainda o caráter exótico do ambiente marroquino onde se desenrola a trama, um dos elementos que tornam a película atraente, o qual podemos remeter a uma das faces do que Edward Said chamou de Orientalismo.

            Na elaboração deste conceito, Said parte da noção de que o binômio Ocidente-Oriente não tem uma existência física e geográfica real; mas são representações, resultados de elaborações históricas. Neste sentido, o Orientalismo seria um “estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre o ‘Oriente’ e (...) o ‘Ocidente’” (SAID, 2007: 29), um modo de pensar esse binômio, que pressuporia uma intrínseca superioridade europeia, ocidental. Apesar disso, o Orientalismo não seria algo desenvolvido apenas no plano das ideias. Teria sim um embasamento na realidade material da região dita oriental, e mais, na realidade das relações de poder e dominação que os europeus estabeleceram com ela:

Mas nada nesse Oriente é meramente imaginativo. O Oriente é uma parte integrante da civilização e da cultura material europeia. O Orientalismo expressa e representa essa parte em termos culturais e mesmo ideológicos, num modo de discurso baseado em instituições, vocabulário, erudição, imagens, doutrinas, burocracias e estilos coloniais (SAID, 2007: 28).

            Muito ligado a uma “ideia de Europa” e, por conseguinte, a uma ideia do “Outro”, o Orientalismo foi ao mesmo tempo uma representação do “Oriente” e um discurso que embasou e legitimou o imperialismo europeu na Ásia e na África; representou um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente, a imposição de uma hegemonia cultural.

            Neste sentido, sem pretender esgotá-lo, cabe ressaltar dois aspectos do multifacetado conceito de Said que têm consequências para o filme. Em primeiro lugar, há que se destacar a prevalência de uma representação europeia acerca do que era o “Oriente”, seu ambiente, habitantes e cultura. Por meio de fontes variadas, desde relatos de viajantes até as experiências coloniais, construíram-se estereótipos, noções daquilo que seria o “tipicamente oriental”. Estas noções (deixando um pouco de lado sua vinculação a questões mais práticas da dominação imperial) acabaram por conceder ao “Oriente” uma tônica romântica, exótica:

O Oriente era praticamente uma invenção europeia e fora desde a Antiguidade um lugar de episódios romanescos, seres exóticos, lembranças e paisagens encantadas, experiências extraordinárias (SAID, 2007: 27).

            De fato, em Casablanca, um dos elementos que permeiam a atmosfera do filme é o exotismo do espaço onde se desenrola a ação. Vários elementos acentuam esse caráter: a música de abertura, que, antes de desembocar na Marselhesa, evoca uma atmosfera de aventura num país tropical; as breves cenas que mostram a cidade e seu comércio, com vendedores e artigos “tipicamente orientais”; a arquitetura do Rick’s (e de outras construções); a indumentária, os trajes “típicos” marroquinos; os narguilés que se entreveem em certas cenas, etc. Tudo isso denota ao filme um ar romântico de aventura e fascinação pelo exotismo oriental.

            Em segundo lugar, e fortemente ligado à primeira, destaca-se o já comentado elemento de dominação presente das representações orientalistas. Apesar dos elementos acima levantados serem inevitavelmente componentes importantes do filme, percebe-se o papel secundário que é dado à Casablanca e aos marroquinos. De fato, nenhum personagem “nativo” tem um papel principal. O máximo de contribuição que dão à trama é como empregados do estabelecimento de Rick. Eficientes e dedicados, sim; porém, nada mais do que secundários. Neste sentido, para os efeitos do filme, Casablanca parece mais ser uma adjacência colonial político-cultural de uma Europa imperial, uma mera extensão exótica do continente europeu, um cenário de luxo no qual os “ocidentais”, em seus chiques cafés e bares europeus instalados em pleno norte da África, dão continuação a suas relações, tramas e intrigas, sem dar muita importância ao que estas possam significar para os marroquinos, muito menos às preocupações próprias destes, os quais sequer figuram de modo relevante no filme. Casablanca é também, assim, um belo retrato cultural do Orientalismo, ou de algumas de suas manifestações.

 

Assim, as circunstâncias e determinações desse complexo e interessante contexto político internacional, brevemente referidas aqui, fazem com que se cruzem em Casablanca os destinos de um norte-americano expatriado, proprietário do mais bem-sucedido estabelecimento da alta boemia local; uma bela e romântica jovem norueguesa; um militante tchecoslovaco, herói e símbolo da resistência ao nazismo na Europa; um inescrupuloso militar francês, com ambíguas filiações ao governo colaboracionista; um alto oficial do exército alemão do Terceiro Reich; além de um talentoso pianista afro-americano, aproveitadores e “negociantes” ilegais italianos, e até um jovem casal de refugiados búlgaros. Enfim, personagens com as mais variadas trajetórias e origens – cuja multiplicidade confere um atrativo especial para o filme – e que se encontram nas areias, ou melhor, em um bar de uma “exótica” cidade marroquina. Pois, afinal, “todo mundo vai para o Rick’s”.